Ciclo IV: Comparação Mitológica

 


Nesse quarto ciclo parei para refletir sobre divindades do mundo clássico no sentido de realizar uma comparação mitológica de histórias e observar semelhanças entre estas e Blodeuwedd. Tomei como foco uma linha espiritual do qual descendem as culturas que nascem no vale do Indo e vão até os confins europeus. Embora possamos encontrar algumas histórias semelhantes em culturas africanas e indígenas, preferi manter uma leitura sobre deusas que são da mesma raiz linguística, histórica e cultural – até porque poderia não fazer sentido ou parecer muito forçado buscar familiaridades entre um aspecto tão diferente do outro.

Como sabemos, as línguas celtas tem origem indo-europeia, podemos encontrar algumas parentalidades com os povos vizinhos e civilizações anteriores, que podem ser comparadas como primas e até avós da herança celta que chegou até nós. Por isso, creio eu que não estarei cometendo um pecado grave ao buscar as faces de Blodeuwedd cantadas pelos bardos entre aedos ou gurus. E inclusive gostaria de afirmar que as deusas comparadas aqui são cada uma pertencente a um panteão, tem sua própria personalidade e arquétipo. É importante que se compreenda: não estou aqui afirmando que “todas as deusas são uma só”, mas comparando suas histórias e apontando semelhanças, das quais podem nos ajudar a entender a deusa das nove flores e seus mistérios através da poesia ancestral reverberada nessas línguas e culturas próximas.

Lakshmi



Lakshmi é uma divindade muito popular da tradição hindu. Seu nascimento se deu através de um Oceano de Leite, que foi movido e batido pelos Devas e Asuras, de onde surgiram coisas muito belas – e uma delas, Lakshmi, que apareceu sentada numa Flor de Lótus. Em suas representações, normalmente carrega flores e potes de ouro, representando a beleza, o amor, a paz, a fertilidade, a abundância e prosperidade. É a esposa do deus Vishnu, responsável pela sustentação do universo, que unido a Shiva e Brahma, formam a trindade no hinduísmo. Lakshmi normalmente acompanha Vishnu quando vem ao mundo como avatar, tomando a forma de Sita (esposa de Rama) e Radha (amante de Krishna). Lakshmi tem oito manifestações secundárias normalmente representadas nos templos como a Ashta Lakshmi – as oito manifestações são Veera Lakshmi, Gaja Lakshmi, Santhana Lakshmi, Vijaya Lakshmi, Dhanya Lakshmi, Adhi Lakshmi, Dhanas Lakshmi e Aishwarya Lakshmi. Cada uma das manifestações atua em quesito relacionado a fonte de toda a riqueza. A Suástica é um dos símbolos relacionados à Lakshmi, reverenciada no “Festival das Luzes” em muitas cidades e vilas da Índia, onde se acendem muitas velas no formato do símbolo em sua homenagem. Uma deusa ligada ao lar e a riqueza, seja material ou espiritual. Em algumas representações, a coruja é o animal que Lakshmi monta e sobrevoa os céus. A coruja como um animal noturno, representa a busca humana pela riqueza e sabedoria espiritual. E para finalizar, seu esposo Vishinu tem como veículo Garuda, uma águia mitológica.

Não é preciso ir longe para ver semelhanças entre Lakshmi e Blodeuwedd. Ambas estão associadas em seu nascimento as flores. Enquanto a Flor de Lótus como representação da pureza de Lakshmi, as nove flores que criaram Blodeuwedd tem a mesma conotação. Além disso, a associação ao oceano no nascimento das duas é clara. Lakshmi nasce sobre um Oceano de Leite que estava sendo “movido” ou “batido”, que podem representar ondas. O mito de Blodeuwedd faz referência às “nove ondas do mar”, trazendo uma simbologia próxima. As oito manifestações de Lakshmi trazem a reflexão de oito presenças da mesma deusa em uma só, tendo em si nove faces dela – uma primária e oito secundárias. O mito de Blodeuwedd traz diversas vezes o número nove como referência de sua existência. Sem contar a associação do feminino na coruja como um animal citado em comum entre ambas, assim como a águia como símbolo do masculino em seus esposos. É interessante poder observar que ambas as deusas são consideradas regentes na beleza e no amor, assim como na busca pelo aprimoramento espiritual. Porém há uma diferença clara entre Lakshmi e Blodeuwedd: a primeira é extremamente fiel à seu esposo e a segunda se apaixona para além do seu casamento – mas esse é um simbolismo para se compreendido no vulto das próximas deidades.

Ishtar/Inanna



Ishtar/Inanna é uma divindade provinda dos cultos agrícolas na região do Eufrates, tendo sido uma das principais deusas entre os povos mesopotâmicos, babilônicos e sumérios. Ela é considerada a “grande mãe” associada ao planeta Vênus, a fertilidade, ao amor, ao sexo e a guerra – aspecto do qual por muitas vezes foi considerado masculino, porém na religião desses povos a guerra era um domínio da deusa. Por isso mesmo, seu arquétipo transita para um lado vingativo, sensual e traidor. Normalmente representada como uma senhora sobre o céu, vestida com roupas que exaltam seu poder real, acompanhada de leões e as vezes por corujas, assim como o símbolo de uma estrela de oito pontas. Os rituais descritos em tabuletas cuneiformes mostram uma espécie de hierogamia, ou seja, um casamento sagrado, do qual um governante ia até o templo de Ishtar/Inanna para ter uma noite com a sacerdotisa principal. Representava a união entre o céu e a terra, entre os deuses e os reis.

Nos mitos sobreviventes, Ishtar/Inanna teria visitado o mundo dos mortos para tentar roubar o trono de sua irmã, Ereshkigal, a rainha do submundo. Nessa empreitada, a deusa teve que passar por sete portões e se despir de todo seu poder, sendo presa no submundo pela irmã. Por causa disso, o mundo terreno se tornou um caos e os deuses enviaram um mensageiro para salvar Ishtar/Inanna das garras de Ereshkigal. O plano sai conforme o solicitado e a deusa consegue escapar do mundo dos mortos, porém sua irmã exige que ela envie alguém para substituí-la. Tammuz/Dumuzi, seu amante e deus da agricultura é escolhido e desce ao submundo causando muita tristeza. Para apaziguar tal dor no mundo, Gestinana, a irmã de Tammuz/Dumuzi, vai ao submundo o substituir de seis em seis meses. E essa é uma possível narrativa mitológica que explicaria a transição de estações durante o ano.

No caso de uma comparação entre Ishtar/Inanna e Blodeuwedd, podemos ver alguns aspectos simbólicos, como questões numéricas, animais, explicações para a sazonalidade da natureza e o feminino representado sobre a sensualidade na criação da vida. A deusa eufratiana é tida como a mais bela, despertando o amor sublime entre os deuses e os reis, por isso nunca casou, mas sempre teve amantes, do qual o principal era Tammuz/Dumuzi. Blodeuwedd por sua vez foi criada como uma mulher muito bela para casar-se com um rei-guerreiro, porém teve um rei-caçador como amante. Ambas são prostitutas sagradas, representantes do culto de legitimidade do rei da tribo, onde este deve deitar-se com Ela para ser reconhecido como tal. Na cultura celta, as rainhas que tinham amantes – tanto como consortes, como no intuito de conseguir aliados políticos – praticavam a “amizade de coxas”, sendo o amor sensual um valor feminino. Assim como as sacerdotisas de Ishtar/Inanna representando a deusa, que tinham como amantes os reis das cidades espalhadas pelo Eufrates. Além disso, o mito de Ishtar/Inanna apresenta em si a mudança durante o ano das estações, algo também presente no mito de Blodeuwedd. O desejo de se tornar a rainha do céu e do submundo derrotando sua irmã (ou sua outra face), levou com que as duas dividam Tammuz/Dumuzi de seis em seis meses como amante. Blodeuwedd casa-se com Llew como criatura das flores por seis meses, e ama Grown como criatura da noite – a coruja – por outros seis meses. A descida da deusa celeste ao submundo parece ser uma missão da senhora da primavera.

Perséfone



A deusa grega Perséfone é filha de Zeus e Deméter. A senhora das ervas, das flores e das estações descrita como “a de braços brancos”. Em sua história, Perséfone era a mais bela jovem deusa no Olimpo, despertando amor entre os deuses como Hermes, Ares, Apolo e Dionísio. Sua mãe Deméter os proíbe de chegar próximo de sua filha. Perséfone recebeu diversos presentes e dotes, mas todos foram recusados. Hades, o deus do submundo, apaixonado por ela e impaciente com as proibições, decide vir a terra e raptar Perséfone, enquanto essa colhia flores nos campos. O deus do submundo desposou-a como a sua rainha. Deméter ficou triste e descontente com a perda da filha, deixando de cuidar da terra, que ficou desolada e estéril. Houve frio, escassez de alimentos, fome e seca no mundo. Quando Deméter descobriu que Hades havia levado Perséfone, pediu a ajuda de Hermes para ir buscar sua filha. No fim da contenda, Perséfone faz um acordo com Hades, o prometendo ficar seis meses no submundo governando como sua rainha e seis meses com seus pais, trazendo equilíbrio.

Congruências entre Perséfone e Blodeuwedd estão inseridas no arquétipo da deusa e na mítica das mudanças sazonais. Perséfone como filha do deus soberano e da deusa da agricultura denota sua origem entre o Poder e as Plantas. Blodeuwedd é criada em seu mito à partir do Poder e das Plantas também. Logo a noiva da primavera, do qual todos os deuses caem de amores, tem em si a força primordial da vida, entre o espírito e a matéria. Não seria a toa que o deus do submundo a escolheria como sua esposa, afinal, ele representa o oposto, a morte, o fim das coisas. Hermes, o deus mensageiro, se apaixona por ela, mas é recusado. Ares, o deus da guerra, também. Apolo, o deus da luz, e Dionísio, o deus das bebidas, todos recusados. O único deus do qual ela aceita é o que representa a morte. Blodeuwedd se casa com Llew, que pode representar o arquétipo lucífero, porém se apaixona por Grown, que então seria o semblante do deus do submundo que vem caçar sua esposa na terra. Essa divindade dividida entre amores, num triângulo de possibilidades, geradora do equilíbrio das estações parece se repetir diversas vezes, como continuaremos a ver. Mas, será que o número nove desapareceu de nossas análises?

As Nove Musas



As Musas no mundo grego eram mulheres inspiradoras das artes e ciências, num total de nove, sendo elas filhas de Zeus e Mnemosine. Eram elas Calíope, Clio, Erato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Tália, Terpsícore e Urânia. Cada uma delas era especialista, se assim podemos dizer, em uma arte ou ciência, como a poesia, a história, a música, a tragédia, a comédia, da dança, a astronomia, entre outras. As musas moravam no Olimpo e cantavam sobre o tempo e os acontecimentos, acompanhadas de seu eterno amante Apolo, que tocava a lira.

Mais uma vez a dinâmica do Poder, mas agora casado com a Memória. A força de uma lembrança contada pela fala dos poetas. E daí podemos pensar a relação entre as Musas e Blodeuwedd. Em algumas regiões célticas também é comentada a presença de nove musas ou donzelas do outro mundo, que vivem em Avalon / Ynys Afalach ou o Annwfn, soprando o fogo que aquece o Caldeirão da Poesia. As musas são divindades individuais, cada uma representando uma arte ou ciência, cada uma tendo sua própria personalidade, como as nove donzelas celtas. Blodeuwedd, como uma dama do outro mundo além da nona onda do mar, feita de nove aspectos pode ser a fusão das nove musas, como a senhora dos poetas, por isso exaltada à tanta beleza. Se o amante das musas é Apolo, não se pode deixar de comparar a Llew, um deus de “mãos habilidosas”, assim como o deus olimpiano que toca a lira.

Contudo, quem seria o “oposto” nessa história? Bem, o eleito como opositor de Apolo é o deus Dionísio – que inclusive apareceu na história anterior, cortejando Perséfone. Enquanto Apolo como amante das musas representa a proteção dos poetas, da eloqüência sóbria de base na razão e na luz do conhecimento, Dionísio é o contrário, protege os bêbados, aqueles que estão insanos no vinho, tomados pelo instinto e sentimento. E cá entre nós, os poetas e os bêbados têm muito em comum na sociedade ocidental. Para além disso, o significado mais importante aqui é a dualidade entre Razão e Emoção, do qual parecem ser essas figuras em nove mulheres ou a representação de um feminino nônuplo que tende a realizar um equilíbrio. As nove musas parecem ter escolhido como amante Apolo. Blodeuwedd se casou com um deus apolíneo, mas amou um deus dionisíaco.

 

Afrodite/Vênus



Afrodite é a divindade da beleza, da sexualidade e do amor. Para muitos estudiosos, o culto a Afrodite é estrangeiro a Grécia e Roma, tendo sua origem na deusa Astarte da Fenícia, que é um nome cognato de Ishtar – podemos aqui perceber o quanto essas divindades estão, de certo modo, interligadas. Na versão de Hesíodo, Afrodite nasceu sobre a espuma do mar formada pelas ondas que surgiram quando os genitais de Urano foram lançados sobre as águas, que foram retirados por Cronos. Dessas águas emergiu Afrodite, que representa o ideal de feminilidade e beleza do mundo clássico. Na versão de Homero, ela é filha de Zeus e Dione, o deus soberano e a deusa das ninfas. Ela tinha uma beleza tão estonteante que os deuses e os homens ficavam encantados com sua presença. O deus Hefesto, que era um ferreiro muito habilidoso, porém feio e coxo, se apaixonou por Afrodite. Numa contenda entre Hefesto e sua mãe, Hera, ele consegue a promessa de conseguir Afrodite como esposa. Após o casamento, Hefesto faz de tudo para agradar Afrodite, forjando as joias mais belas do mundo – embora em nenhum momento agradassem a deusa. Afrodite que não se conformava em ser tão bela e ter casado com um deus feio, mesmo que ele criasse objetos tão lindos. Ao ver Ares, o deus da guerra, Afrodite se apaixonou perdidamente e ambos tiveram um caso secreto. Quando Hefesto descobriu, se sentiu péssimo e planejou uma punição. Quando Ares e Afrodite se encontraram, Hefesto armou uma armadilha com uma rede fina de ouro, que os prendeu na cama. O deus ferreiro chamou todos os outros deuses para rirem de Ares e Afrodite, que foram separados.

Blodeuwedd pode ser simplesmente a Afrodite dos galeses, não é verdade? Nem é preciso falar sobre a associação com o mar, ou então a união entre o poder e a beleza na criação dessas deusas. O que é mais interessante aqui é analisar os triângulos amorosos e compará-los – Hefesto/Afrodite/Ares e Llew/Blodeuwedd/Grown. Hefesto como deus ferreiro rejeitado por Hera e Llew como “o de mãos habilidosas” rejeitado por Arianrhod nos trazem a primeira questão do masculino ferido em busca do amor, a necessidade de ser amado pelo que se é e não pelo que aparenta. Afrodite e Blodeuwedd parecem ser o feminino que desperta esse amor inalcançável. Como deusas da beleza, o óbvio seria que elas amassem o deus da habilidade ou das artes. Mas é em Ares o arquétipo da guerra ou em Grown o semblante do caçador, que o amor é despertado.  Aqui temos a contenda dos amores: aquele enquanto razão (o ideal, o curador, puro) e aquele que é emoção (o carnal, o sexual, sujo). Uma questão filosófica: Sentir-se atraído pelo conteúdo ou pela aparência? Amar o espiritual ou o físico? Afrodite e Blodeuwedd encontram em Hefesto e Llew a amabilidade, e em Ares e Grown a virilidade. É a busca incessante por esse equilíbrio, que inclusive está expressa em nossas feridas pessoais e nos nossos conflitos amorosos.

Flora



Flora era a deusa ninfa das flores e das Ilhas dos Afortunados na mitologia romana – na Grécia, conhecida como Clóris. Ela é a divindade da primavera, regendo o desabrochar das flores tantos nos jardins, quanto nos campos selvagens.Também relacionada as abelhas e ao mel. Em algumas versões do seu mito, o amor de Flora é disputado por dois deuses irmãos do vento: Bóreas, o vento do Norte, e Zéfiro, o vento do Oeste. O deus Bóreas é o vento violento do inverno relacionado ao temperamento forte, enquanto que seu irmão Zéfiro é o vento aprazível e benfazejo que trás consigo a força do verão. O vencedor foi Zéfiro, que se tornou esposo de Flora ao raptá-la e ao casar-se com ela, tornando-a a rainha da primavera.

Blodeuwedd e Flora tem semelhanças que começam no nome, ou seja, com as flores. Também a estação da primavera, como rainhas desse período. Novamente aparece a mudança das estações como foco de uma história de amor entre a deusa da primavera e deuses que representam o inverno e o verão, agora como arquétipo dos ventos e das direções. E, sem deixar de observar esse detalhe, a dualidade entre eles apresentando o lado mais “violento” (virilidade) e “apaziguador” (amabilidade). No caso, percebemos que Flora escolhe diferentemente de Afrodite ou Blodeuwedd.

Iduna



A divindade nórdica Iduna é a senhora protetora do pomar da maçãs da imortalidade, a guardiã desse fruto que os deuses comem para se manterem eternos. Iduna não nasceu, em muitos mitos ela já existia antes dos deuses e gigantes, sempre permanecendo jovem e bela. As maçãs que oferece aos deuses diariamente é que os mantêm vivos, juvenis e poderosos – sim, na visão nórdica os deuses são mortais, porém eternos graças a Iduna, que lhes concede a graça de comer as maçãs mágicas. Ela é a deusa da primavera, das flores e dos frutos, uma divindade materna ancestral que nutri os outros deuses. Não há muitos mitos sobre Iduna, porém em uma das histórias ela é raptada pelo gigante Thjazi disfarçado de águia a mandos de Loki, para uma espécie de submundo. Depois do desaparecimento sem explicação de Iduna, os deuses envelheceram e perderam seus poderes. Mas descobriram que foi artimanha de Loki, e após chantagearem o deus, foram em busca de Iduna na terra dos gigantes. Essa é novamente uma versão da mudança das estações, onde a donzela da primavera é sequestrada para o mundo inferior e o inverno vence. Iduna era também esposa de Bragi, o deus poeta.

As semelhanças entre Blodeuwedd e Iduna estão fundamentadas no arquétipo de noiva primaveril, a senhora do outro mundo que inspira a poesia e juventude. Embora a maçã não seja um fruto citado no mito de Blodeuwedd, é uma proposta que ela seja a combinação das almas das nove damas de Avalon ou Ynys Afalach ou de Annwfn, sendo assim a protetora das maçãs da juventude e imortalidade, tema mítico também no mundo celta. Se o esposo de Iduna é Bragi, o deus da poesia que toca para os deuses em Asgard, o que dizer de Llew que é o esposo de Blodeuwedd, o de “mãos habilidosas” e que toca em Caer Arianrhod? E novamente parece que retornamos à Apolo e as Musas. A eloquência como cônjuge da beleza.

Outras Faces Célticas de Blodeuwedd



No universo mítico céltico também encontramos outras deusas que podem trazer aspectos muitos parecidos com Blodeuwedd. No panteão gaélico, podemos elencar Blodeuwedd na dualidade entre Brigit e Cailleach. Enquanto Cailleach é a deusa anciã do inverno que reina sobre os ventos uivantes e bate seu martelo transformado as estações, Brigit vem com a primavera e toma o lugar da velha deusa, concedendo um tempo mais aprazível. No pantetão gaulês, podemos elencar Atégina ou Ataegina, a deusa do renascimento e da primavera. Essa divindade vai ao submundo para buscar seu esposo, o deus Endovélico, que havia sido morto por um javali muito poderoso. Essa descida ao mundo inferior simboliza a imersão nas trevas de uma deusa relacionada a vivacidade e criação. Enquanto Atégina vai ao submundo, a terra fica desolada e fria. Quando ela retorna, o mundo renasce e se recria, pulsando em vida e força. A dança das estações como tema principal dessas deusas demonstram o quão era séria a preocupação dos povos antigos em adorar o feminino para a harmonia cósmica no plantio e a colheita da terra.

No panteão britônico ou galês Olwen é a jovem filha do rei gigante Ysbadadden. O herói Culhwch se apaixona por ela perdidamente e tem que fazer algumas tarefas para conquistar sua mão, pedindo ajuda do Rei Arthur - entre essas tarefas encontrar o deus ancestral Mabon e derrotar um javali mágico poderoso, pois atrás das orelhas desse animal estava tesoura que podia aparar a barba do seu sogro. Em algumas versões, por onde Olwen anda as flores desabrocham e ela é citada como muito alva e bela, uma noiva da primavera. Seu pai, o rei gigante Ysbadadden parece lembrar a figura do inverno que aprisiona a jovem rainha da primavera e cobra tarefas inimagináveis de serem feitas por qualquer homem, aceitas pelo jovem Culhwch, que representaria por sua vez o verão.  Após realizar as tarefas e cortar a barba do sogro “bom velhinho”, este é derrotado e Culhwch se casa com Olwen, a primavera.

Outro exemplo é a história de Creiddylad, a filha do rei Lludd, também comemora a imagem do triângulo amoroso como ideia da transição dos ciclos naturais. Creiddylad vive na corte do rei Arthur e seu amor é disputado entre dois campeões, Gwythyr e Gwyn. Num dia em que estava tranquila nos jardins, Gwythyr rapta Creiddylad e leva-a para longe do castelo de Lludd. Gwyn revida, vai até onde Gwythyr encarcerou a jovem e sequestra Creiddylad. O rei Arthur intervém na disputa de ambos cavaleiros, Creiddylad é devolvida para seu lar junto a seu pai Lludd, e Gwythyr e Gwyn são condenados a lutar eternamente todo 1º de Maio, pelo amor da dama da primavera. Somente no fim dos tempos esse destino será selado, quando um deles vencer e ter a mão de Creiddylad. Mais uma vez a luta entre o inverno e o verão pela dama das flores.

Para finalizar nossas análises, vamos colocar uma puga atrás da orelha (ou a tesoura que cortou a barba de Ysbadadden). É interessante observar uma curiosidade acerca da linha do tempo presente no Mabinogion. No primeiro ramo de contos galeses, Pwyll ofendeu Arawn em uma caçada. Ele vai disfarçado a Annwfn governar no lugar de Arawn por um ano, enquanto esse vai a Dyfed (reino na terra de Pwyll) governar em seu lugar – um acordo entre ambos para provar o valor do herói perante um deus do outro mundo. Pwyll se depara com a jovem e bela esposa de Arawn, que não é denominada no conto e nem no restante do Mabinogion. O jovem Pwyll, mesmo com desejo, não faz sexo em nenhuma noite com a esposa de Arawn, mostrando sua dignidade e nobreza. Já no quarto ramo dos contos galeses, Blodeuwedd, uma senhora do outro mundo, é encarnada no mundo através das flores e casa-se com o herói ou deus chamado Llew. Porém, um rei caçador chamado Grown chega aos portões do castelo de Blodeuwedd, enquanto Llew está fora, e esta se apaixona por ele o reconhecendo como seu amor. E se Grown for Arawn, um deus do submundo, que veio resgatar/raptar sua dama? Faria sentido, pois afinal Llew representaria o verão, o poder da luz solar que casa com a dama da primavera, e durante o ano Blodeuwedd cai de amor por Arawn, o deus do submundo, representando a transição para o inverno. O Mabinogion e seus quatro ramos (contos) poderiam ser a encenação das estações do ano.

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