Blodeuwedd: Análises e Paralelismos

Blodeuwedd: Análises e Paralelismos por Argante – Arc’Hant Afallon Alarch © 2009. 
Publicação original em Ynis Affalach Tuath, clique aqui.
Tradução e adaptação por Llewellyn Mawr fab Blodeuwedd © 2015


Trabalho fotográfico de Katerina Plotnikova

A história de Blodeuwedd é contada no Quarto Ramo do Mabinogion. 

Seu nome significa “Face de Flor”, e ela foi criada por Math e Gwydion (um Woden/Odin Céltico) utilizando nove flores. Seu propósito era se tornar noiva de Llew, pois – devido o feitiço de sua mãe – ele nunca poderia casar-se com uma mulher humana. Blodeuwedd é apresentada como uma criatura do Outro Mundo, uma mulher-fada dotada de poderes mágicos – como Rhiannon, esposa de Pwyll. Ela encarna o arquétipo da virgem iniciadora e da noiva de maio. Ela é a Soberania, a Deusa Céltica da Terra que se casa com um herói e permite que ele se torne rei. 

Porém, Blodeuwedd trai Llew e ele consequentemente enfrenta a morte (simbolicamente a iniciação, um renascimento). Como castigo, ela se transforma em uma coruja (símbolo do conhecimento, pois ela pode ver através da noite). 

Blodeuwedd está ligada a Primavera e a estação da emersão [da vida], em um período de tempo que vai desde Imbolc ao Beltane. Ela é a Virgem Caçadora, a jovem independente a procura do conhecimento e de autoafirmação. Seu ensinamento é: não tenha medo de mostrar sua verdadeira natureza e aprenda a afirmar suas ideias. 

As plantas que ela está associada são aquelas a partir do qual ela foi criada: Feijão/Vagem, Bardana, Rainda-dos-prados, Prímula, Urtiga, Espinheiro-alvar, Carvalho e Castanheira. Seu aspecto lunar está na lua nova e crescente. Ela é a deusa dos começos, da criatividade, da inovação e juventude, mas também de sabedoria e conhecimento. 

Quais são os símbolos e arquétipos que seu mito mostra? 

A Virgem Caçadora e Soberania lembra a personagem de Morgana Le Fay (ela que permitiu que Arthur reinasse). Contudo, neste caso não é o rei que trai, e sim Blodeuwedd. Ela é gerada a partir das primeiras flores da estação para permitir que o rei reinasse na Primavera vindoura. Com seu dever cumprido, ela resolve se libertar. Ela é a deusa da Primavera e nesta época do ano, a natureza se liberta do frio e da restrição do Inverno. 

Traição e liberdade são partes de suas funções: ela é a virgem iniciadora que se sacrifica para que Llew complete sua iniciação. 

A traição de Blodeuwedd lembra a de Guinevere. Embora, em romances posteriores, esse papel foi interpretado por Morgana Le Fay, em lendas antigas a Soberania era um dos atributos de Guinevere. Atualmente, ela é retratada como uma personagem menor e negligenciada, mas ela é mais do que podemos ver. Nós não estamos falando sobre a rainha do “Amor Cortês” dos romances medievais, mas sobre a deusa mítica que trai Arthur, porque ele não estava se comportando como um rei legítimo, o que o empurrava a sua destruição. 

Mas por que Guinevere é estéril? 

Seu nome significa “Fantasma Branco”, sublinhando uma conexão com o Outro Mundo (como Blodeuwedd, também chamada de “Noiva Branca”). A esterilidade pode ser explicada ao notarmos que Guinevere e Blodeuwedd encarnam o arquétipo da Virgem (cuja cor é o branco), e ambas são dadas ao não desvio de sua dádiva. Então elas concedem a um candidato mais digno, a quem elas se apaixonam. Esse amor cria o movimento simbolicamente representado pela luta entre os dois reis do Ano. 

Com relação a isso, propomos algumas observações: 

No Mabionogion, Llew representa o Sol e Goronwy representa o frio e o mistério (Inverno). Blodeuwedd escolhe o Inverno. 

Na lenda de Arthur, ele é o Rei do Inverno – maduro e defensor da paz – enquanto Lancelot é o Rei do Verão – belo, jovem e o melhor cavaleiro. Guinevere escolhe o ultimo. 

Nos mitos celtas, a Deusa escolhe o Rei do Verão (o jovem Mabon) no Beltaine, após sua morte no período frio, ela dorme com Cernunnos, o Rei do Inverno. 

Então, por que Blodeuwedd escolhe o Inverno? Ela não é a deusa tríplice? Aquela que dá a vida e muda o movimento? Ela deveria ter escolhido o Sol… 

Bem, na verdade Blodeuwedd não escolhe o Inverno, mas apenas a liberdade, independência e expressão de si. Ela é uma deusa e os dois princípios estão liquefeitos nela. Sua escolha representa uma terceira força, aquela que permite criar movimento e vida a partir da êxtase. O primeiro e mais importante ensinamento de Blodeuwedd é a liberdade de escolha (negado a ela) e tomar o controle de si mesma. É mais importante tomar uma decisão, e não a decisão tomar você. 

O outro elemento que é preciso explicar é a traição. 

Ou, melhor, “suposta traição”, uma vez que, na verdade, ela tem um significado mais profundo: tanto para Arthur e Llew que significa iniciação e renascimento. Llew foi iniciado primeiramente por sua mãe Arianrhod (virgem que não desejou seus filhos) e mais tarde para os mistérios da morte e renascimento através de Blodeuwedd. E sobre a árvore na qual ele está na forma de uma águia há a porca branca: Ceridwen. 

No Mabinogion, a Deusa Tríplice aparece em três figuras: Mãe (Arianrhod), Noiva/Virgem (Blodeuwedd) e Mulher Idosa/Anciã (Ceridwen). 

Da mesma forma, Arthur é iniciado por Morgana Le Fay e mais tarde por Guinevere. 

Não devemos esquecer que este mito foi profundamente alterado pela mentalidade patriarcal subsequente: Blodeuwedd é criada pelos homens, ela trai e é punida. No mito original, provavelmente ela não era uma boneca feita para satisfazer os desejos masculinos, mas uma donzela do Outro Mundo (aqui encontramos um eco para a Nona Onda citada por Taliesin). Sua história é a de outras fadas de natureza dupla: noiva e iniciadora, morte e renascimento, “face flor” e “porca branca”. No final, se transformando em coruja, ela revela sua verdadeira natureza: ela quem nos leva para o Outro Mundo. Ela é condenada a nunca morrer [e ser] uma coruja para sempre. Ela traiu porque precisava da vitória recíproca de ambos os reis. 

Vamos agora analisar o caráter de Llew: 

Ele é o Leão de Mãos Hábeis, um dos nomes de Lugh. Lugh vive uma existência cíclica e sua noiva, Nas, o trai com Cearmaid (tendo-lhe três filhos). Lugh mata Cearmaid, mas Dagda o reanima. Em seguida, um dos filhos de Nas mata Lugh. 

Para entender esta história temos de olhar para os eventos que estão na base desses mitos. Que é para falar a respeito da mudança de Blodeuwedd, Llew, etc. em conceitos gerais. 

Diz Kondratiev: “ (…) o Deus da Tribo e o outro Deus, em forma alternada, são o consorte da Deusa do interior da Terra, e são… rivais em favor da Deusa. Para assegurar uma colheita bem sucedida, a Deusa-Terra deve dar temporariamente sua fidelidade ao Deus da Tribo, em vez de Maponos que normalmente é o seu consorte neste momento”. Se ela não traí-lo, ele não irá libertar seu espírito e renascer. O mesmo para o triângulo Arthur-Guinevere-Lancelot. O Rei Arthur encarna o Deus da Tribo que, como Llew, é sempre capaz de reconquistar a Deusa-Terra. Isso está incluído na vingança: punição e reconquista são semelhantes. Usando as palavras de Graves, elas são o “Único Tema”. 

Ainda de Kondratiev: “Não importa o nome que pode ter sido aplicado ao Deus da Tribo nas diversas tradições locais, Lug é o arquétipo atrás de todos eles. Ele é o herói-salvador, o portador dos finais felizes, a incorporação de uma nova síntese que transcende os problemas anteriores”. 

Se pensarmos sobre esses mitos como uma personificação da vida agropastoril, podemos ver como o fogo e a luz são importantes no tempo do Inverno. Mas também é importante ter água e frio no tempo do Verão. Um pouco de Inverno para salvar a colheita e um pouco de Verão para reiniciar a esperança. 

Kondratiev novamente: “Várias tradições locais sugerem que o Deus da Terra foi muitas vezes representado como uma cabeça de pedra esculpida no cume da colina, provavelmente, em muitos casos, de dois lados – ver a Cabeça de Janus – refletindo o duplo aspecto do deus, olhando simultaneamente para Samos e Giamos, os pólos do ciclo anual…”. 

Voltando à análise de Blodeuwedd, às vezes me pergunto se – como um ser feérico – ela é perigosa, ou não. Nas histórias medievais e renascentistas, tais personagens são retratadas como seres do Outro Mundo: encantadoras, mas perigosas. Por quê? Elas “carecerem de alma” tem efeito real a um comportamento oposto às normas “morais” comuns da época. Então, elas estão superficialmente descritas como moralmente corrompidas ou cruéis. Mas nós sabemos que o seu [teor particular] não é malvado: ele é um não-conformismo, considerado como uma aberração perigosa para o status quo. Consequentemente, todas as divindades pagãs (com maior frequência, todas do sexo feminino) que a sociedade patriarcal cristã não poderia transformar em santas, tornaram-se fadas ou duendes. 

A história de Blodeuwedd é uma auto-afirmação para além de qualquer parcialidade moral. Os habitantes do Outro Mundo não são ausentes de almas: são almas para que eles tenham superado as fronteiras da racionalidade e tornarem-se os espelhos de suas [próprias] almas. Espelhos da Grande Mãe, aquela que é a natureza, instinto, harmonia e equilíbrio. Não regras, moralidade, pensamento e racionalidade. Eles não têm limites, eles estão livres. E quando são forçados a se submeter a regras sociais, eles fazem isso como em um jogo, porque a realidade está além do nível material. O que as pessoas “normais” podem ver como realidade é apenas uma ilusão. A realidade atual é aquele que se torna material, mas tem suas raízes no imaterial Outro Mundo. 

Em nossa cultura o homem é representante da razão, da mente e da matéria: enquanto a mulher é o sonho, irracionalidade e coração. Assim, é óbvio que, no Mabinogion (repleto de magia e sonho) podemos encontrar uma diferença substancial entre homens e mulheres. No último Ramo, essa diferença se torna mais evidente e contrastante, enquanto nos primeiros o respeito entre as mulheres de Outro Mundo e os homens humanos é mais forte. 

Esta é Blodeuwedd. 

Ela é a superficialidade para homens e liberdade para si mesma. 

Um símbolo, embora ofuscado, é sempre legível, forte e poderoso, para aqueles que podem vê-lo. 



Notas: escrito e compilado por Argante, do seu curso do Gruppo di Sentieri Avalon. 

*** 

Nota do tradutor: As palavras ou frases entre colchetes [] são adaptações do tradutor.

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