Ciclo I: Os Princípios e as Fontes
Quais
as fontes de seu saber?
Almejo, em primeiro lugar, lhe fazer um convite. Peço
que você faça uma pesquisa sobre Blodeuwedd por si só, faça a leitura de seu
mito principal, da sua poética divina e das interpretações mundanas que
encontrará no percurso. Essa divindade, algumas vezes jogada para escanteio na
mitologia céltica – como muitas outras, diga-se de passagem – deve ser lida por
você através de uma ótica onde a coloquemos em seu verdadeiro lugar, como a
protagonista de sua história e manifestação sagrada. Para isso nada melhor que
iniciar com as fontes principais de seu saber, onde seu aspecto foi
imortalizado através da narrativa dos bardos.
Podemos considerar que
Blodeuwedd é uma deusa de matriz cultural celta e provavelmente seja o vulto de
antigos ritos à soberania da Terra, ligada ao momento fértil da primavera, no
período da Idade do Ferro e do Bronze. Tão antiga quanto outras divindades,
celebra em si o feminino selvagem do mundo clássico celta, o arquétipo das
rainhas que oferenciam sua “amizade das coxas” e exerciam um poder descomunal
sobre os homens, de beleza e força. Embora sua história tenha sido minorada com
o tempo – do qual entenderemos o por quê –, é interessante observar a
sobrevivência de sua ligação com o mundo natural, feérico e selvagem após
séculos de muitas alterações, omissões e acréscimos.
A principal fonte do
mito de Blodeuwedd é o compilado de contos galeses denominado de Mabinogion,
especificamente o Quarto Ramo – “Math, o filho de Mathonwy”. O termo Mabinogi
se refere à infância, à juventude, aos princípios, denotando que essas
histórias pertencem às origens do País de Gales ou até mesmo aos primórdios da
era dos homens. O ciclo mitológico narrado nesse compêndio também pode ser classificado
como Britônico (pertencente às ilhas da Britânia) e sua escrita se dá entre os
séculos XII e XIII. É importante salientar a carga histórica mediavalesca e das
lendas arthurianas presente nesses contos de origem popular, que foram
influenciados além da herança céltica, pela romana, saxã e normanda. Também se
encontrará muito forte as características de um mundo feudalizado e
cristianizado, embora as raízes remetam em diversos trechos e referências ao
passado pagão, como a ascendência divina dos personagens e as questões mágicas.
Os contos galeses
anteriormente a era moderna não chamavam assim. Essas histórias sagradas
estavam contidas em coleções de manuscritos antiquíssimos, considerados o cerne
da cultura galesa, dentre eles cito alguns: o Livro Branco de Rhydderch; o
Livro Vermelho de Hergest; o Livro Negro de Carmarthen; o Livro de Taliesin; o
Livro de Aneurin; o Historia Regum Britaniae. Foi somente através da tradução
para o inglês de Lady Charlotte Guest (1812-1895) que contos, romances e
poesias foram reunidos e chamados por Mabinogion. O principal herói da saga dos
quatro ramos (divisão do Mabinogion) é Pryderi, realizando a clássica jornada
heróica do nascimento à morte. Há que se observar que os contos falam de
decendentes de duas famílias divinas, que se opõe muitas vezes durante as
narrativas: Llyr e Dôn. Isso remete à
cultos indo-europeus a divindades do mar e da terra. E também a relação entre
dois mundos: o natural e o sobrenatural.
Outras importantes
fontes são o Hanes Blodeuwedd (O Canto de Blodeuwedd), o Cad Goddeu (A Batalha
das Árvores) e as Tríades Britânicas. Os estudos dessas poesias e trechos foram
realizados por Robert Graves em sua obra “A Deusa Branca” (1948), que se
fundamenta em reconstituir através da literatura um antigo culto entre os povos
indo-europeus de uma divindade feminina lunar, recorrendo também aos contos
galeses como uma das importantes pistas para tal. Esse autor refere-se à
Blodeuwedd como a “mulher-flor”, reconstituindo através de estrofes e trechos a
composição das nove flores que a criaram – que não são citadas em completude no
Mabinogion. Para além de nove flores, também encontramos a referência de nove
poderes e das origens dessa divindade associadas à terra além da nona onda –
uma referência ao Outro Mundo na cultura celta.
Há muitos autores
modernos e contemporâneos que se debruçam a pensar as heranças míticas
galesas/britônicas. Para que você também possa se interar e quem sabe adquirir
essas obras, cito “Mitos e Lendas – País de Gales” de Angélica Varandas, “Mitos
e Lendas Celtas” de Charles Squire, “Mitologia Celta” de Mariana Enriquez, “Contos
e Lendas da Mitologia Celta” de Christian Leourier e “O Mabinogion” de tradução
para o português de José Domingos Morais. Você encontrará também em sua jornada
muitos textos com interpretações diversificadas sobre divindades galesas na
internet, assim como práticas atuais de neo-pagãos que se dedicam à
democratizar e dar mais acesso à conteúdos de estudo e contatos holísticos com
esses deuses.
Em suma, em seu mito
Blodeuwedd é concebida à partir da mística do número nove – 9 flores, 9
poderes, 9 ondas –, por dois magos/druidas, Gwydion e Math. Através dessa
numerologia sopram vida em um corpo formado de flores, que abriga uma noiva
para seu sobrinho, o campeão Llew Llaw Gyffes. Nasce Blodeuwedd, que é chamada
assim pela própria ocasião de seu brotar, “a presença das flores”. O casamento
é feito entre a deusa e o guerreiro, a soberania e o rei e a paz é estabelecida
nos reinos. Porém, em um dia solitária em seu castelo, Blodeuwedd se apaixona
por outro campeão chamado Grown Pebr, do qual lhe oferece pousada. Ambos
planejam a morte de Llew, que não escapa de tal empreitada. Mas ele não morre
em si, se transforma em uma águia. Gwydion, seu tio, o encontra e o torna a
vida humana. Então inicia-se a perseguição à Blodeuwedd e Grown. A deusa das
flores é punida sendo transformada em uma coruja, para que nunca mais veja o
dia. Grown é atingido por uma lança e morre de imediato. Llew como rei retornou
e governou só, sem sua rainha. E daqui em diante as pistas nos levam a
devaneios de uma sucessão de homens sem honra à Terra.
De
que lugar vem a Deusa?
Para dar início a uma
conversa sobre Blodeuwedd é relevante compreender suas origens e sua herança
cultural. Há algumas questões que sempre me rondam quando alguém me pede
definições sobre divindades, do qual abordaremos aqui de forma a introduzir
nossas reflexões. Gostaria que você esteja aberto às possibilidades que
elencaremos durante esse processo, que inclusive nos levam a perguntas e
provocações como: Blodeuwedd é uma divindade dos tempos dos celtas britônicos?
Blodeuwedd é uma personagem em um conto medieval galês? Blodeuwedd é uma figura
fictícia no folclore do País de Gales? Blodeuwedd nem se quer é uma deusa
céltica? Terá sido Blodeuwedd transformada em uma divindade somente agora,
no mundo moderno? E será que não é tudo isso fervendo em um caldeirão de ideias?
Por Celta se denomina
uma miríade de populações de raiz linguística indo-europeia, que algumas vezes
tinham muito em comum e outras eram simplesmente estrangeiros uns para os
outros. Está aí a possível explicação da causa de uma falta de união entre
esses povos em tempos remotos, onde sofreram ataques e domínios de outros. Mas
ao mesmo tempo, a história também nos elenca que eram muito corajosos, vistos
pela sua arte metalúrgica e cultura requintada, respeitados por muitos dos seus
vizinhos, dos quais eram importantes aliados comerciais e bélicos. Essas
populações estenderam suas terras de Portugal à Turquia, sendo a teoria mais
aceita de sua origem na atual Áustria, às margens do Danúbio. Os estudos levam
a compreender dois momentos culturais: Hallstat e La Têne. Boa parte do que
conhecemos dos povos celtas veio dos escritos de gregos e romanos na
antiguidade, assim como dos estudos arqueológicos contemporâneos e do movimento
chamado de Celtomania.
As narrativas sobre
Blodeuwedd poderiam sim estar associada à uma região do mundo celta, onde teve
sua sobrevivência – as Ilhas Britânicas. As tribos britônicas devotavam muitos
dos seus cultos à soberania da Terra e temas como uma “Deusa Equestre” são
recorrentes não só nessa localidade, mas em muitas regiões onde a cultura celta
se desenvolveu. Não parece ser o caso de Blodeuwedd, uma deusa formada por
flores e associada às corujas. Porém, outras associações em seu mito podem nos
levar a crer que seja sim uma representação de rituais do casamento da Deusa com
o Rei/Guerreiro, uma noiva do Outro Mundo encarnada através da força da Terra
que unida ao chefe tribal leva a paz e prosperidade ao povo. Como elencamos
aqui, as populações célticas tinham consideráveis diferenças e, versões
diferentes do culto à soberania da Terra podiam existir. Tendo em conta isso, o
culto a uma divindade primaveril nas Ilhas Britânicas pode remontar tempos bem
anteriores. É importante considerar que essa Deusa, de modo geral, representava
a mulher celta, descrita como altiva, forte e livre. Muitas tribos celtas eram
comandadas por rainhas, como por exemplo Boudicca, a rainha dos Icenos que
desafiou os romanos.
A questão é que a
principal fonte reside nos textos do Mabinogion, prosas e contos medievais
datados do século XIII em diante, que retratam o País de Gales em “tempos
originais”. Muitos desses contos foram tomados por monges copistas, sempre ouvidores
da população local, que redigiam essas histórias, obviamente reescrevendo aos
seus interesses – e é por isso que a herança cristã deve ser considerada. Além disso, o País de Gales sofreu diversas
invasões bélicas e culturais dos Romanos, Saxões e Normandos. As influências
das estruturas feudais de sociedade ficam claras, mas se misturam à referências
anteriores e a tradição dos bardos. E claro, ao ciclo de contos do Rei Arthur,
onde o mais expressivo é Culhwch e Olwen. Valores cavalheirescos levam a um
mundo onde a mulher celta já não era a mesma.
Olwen quem sabe seja
outro nome para Blodeuwedd, assim como Creiddylad. Ambas, assim como outras
divindades personificadas nos contos como Arianrhod, Rhiannon e Brawen, lembram
as mulheres celtas descritas no mundo clássico, porém entrega-se em muitas
passagens comportamentos totalmente ligados à uma realidade feudal. Blodeuwedd
é uma noiva criada através de cálidas flores para cumprir uma missão: casar com
um rei. Além disso ela é a mulher mais bela do mundo – e beleza aqui não se
entende sob o olhar apenas do aparente, mas de todas as expectativas que um cavalheiro
espera de sua dama. É o comportamento “antiquado” de traidora e selvagem –
punido veemente por um Gwydion cristianizado – que a distancia do universo flor
(belo) para o animalesco (feio). Tendo em vista essas ponderações, Blodeuwedd
representa as contradições da dualidade próprias do mundo medieval e cristão
europeu.
Além disso, podíamos
nos perguntar se Blodeuwedd não seria uma divindade estrangeira – romana, saxã,
normanda. Sua história faz acreditar que não é uma mulher desse mundo – isso
poderia ser interpretado como “uma mulher de outro lugar, país”. Ela não tem pai,
não tem mãe, não tem nome. É dado um nome em galês para sua forma ao ser aceita
ou nascida para ser a esposa de um infeliz rei galês amadiçoado pela mãe à não
ter uma esposa do seu mundo. A figura de Blodeuwedd me faz pensar em deusas primaveris como Eostre, Perséfone, Afrodite.
Assim como as Nove Musas, só que numa versão unificada em uma divindade
inspiradora. Seu culto pode remontar séculos de culturas e povos anteriores, se
manifestando nesse mito sob o nome de Blodeuwedd. Porém não podemos descartar
uma origem estrangeira.
Outra possível interpretação de suas origens pode
estar além do olhar humano e mundano. Em algumas passagens míticas, Blodeuwedd
é referida como uma divindade que veio das terras Além da Nona Onda do Mar –
uma clara referência a como os povos britânicos e gaélicos denominavam ilhas
paradisíacas do Outro Mundo. Em sua poesia é dito que seus dedos são longos e
brancos como a nona onda – os dedos simbolizando
seu alcance e conexão entre mundos, a cor branca associada a dança entre a vida
e a morte, a nona onda do mar como o limite entre seu mundo e o nosso. Assim, saindo um pouco das fronteiras
materiais, Blodeuwedd não é uma deusa celta, e muito menos pertence a algum
povo. Em si é uma divindade atemporal, uma rainha do Outro Mundo para onde
todos iremos após a morte.
Nessa visão, Blodeuwedd veio de um lugar mágico e espiritual,
como Avalon – a Ilha das Maçãs. Essa ilha paradisíaca é referida em poesias
como sendo governada por rainhas ou musas, que por incrível que pareça, também
são nove. Enquanto um ser encarnado no mundo dos homens, Blodeuwedd poderia ser
uma dessas divindades ou então todas juntas, do qual sua natureza se assemelha
a das flores, sendo o principal ingrediente para seu nascimento aqui. Essas
terras além mundo são comumente referidas em lendas como o lugar onde mora o “povo
feérico”, ou seja, as fadas – abundantemente associadas as flores. Blodeuwedd pode
ser uma rainha feérica que foi trazida por dois magos/druidas para casar com um
rei galês, trazendo a tona a ligação ou acordo entre o mundo humano e o mundo
feérico.
Para finalizar, é
preciso questionar se Blodeuwedd não se tornou atualmente uma divindade, à
partir do renascimento druídico do século XVIII e XIX, assim como os movimentos
neo-pagãos do século passado. É possível que essa dama das flores fosse um
folclore quase extinto, mas que com a retomada do interesse da cultura galesa
no período também do renascimento do druidismo tenha sido novamente colocada à
luz. Embora as passagens de seu mito e poesia sejam simples e até mesmo
corriqueiros – para muitos Blodeuwedd não é tida como uma personagem principal
em sua história, e quem sabe isso se deva aos homens que teceram sua narrativa
nos contos –, é de um profundo conhecimento que se fala nas entrelinhas.
Fica claro durante toda
a narrativa a sua característica não-humana, ou seja, divina, vinda de outro
lugar, nascida da magia. Assim como percebe-se associações com a estrutura dos
três mundos entre os celtas através do mito: Flor (Terra), Onda (Mar), Coruja
(Céu). As flores que a criaram são da paisagem europeia e muitas se encontram
descritas pelo alfabeto Ogham, utilizado entre os Irlandeses e Galeses. O
feminino selvagem de Blodeuwedd traz muitas questões da jornada heróica feminina,
dos processos sagrados para as mulheres e da luta da libertação daquilo que é
esperado de uma mulher pela sociedade - e também de cura do masculino nesse quesito. Talvez, nosso olhar moderno tenha
influenciado o retorno dessa deusa aos palcos da encenação da vida humana,
através da análise mítica, dos rituais holísticos e da conexão entre Ela e as
feridas do nosso mundo. Acredito que o feminino que fora desonrado, agora envia
sinais para que seja curado. Os deuses nos sussurram pedidos, mas também nós
podemos os chamar uma vez ou outra quando o equilíbrio do mundo precisa de
auxílio.
Quando
se iniciou a aproximação?
Há quem diga que Blodeuwedd
é uma divindade das iniciações em nossos caminhos. Em minha experiência e gnose
pessoal, confirmo tal característica, já que foi sua narrativa sagrada que me
trouxe tão fortemente à maré do pensamento e prática filosófica druídica. Fica
claro que ao escrever esses ciclos entende-se que essa deusa tem significativa
presença especial em meu viver. É ao conclamar seu nome que renovo os meus
votos de compromisso enquanto um druida moderno, dedicando o culto primaveril
em sua honra.
Ao que me recordo, foi
num equinócio de Primavera em que eu tive meu primeiro contato com a força de
Blodeuwedd, realizando um pequeno rito simbólico. Eu era mais jovem, estava à
procura de essências na vida para que a manifestação do que me inspirava
internamente fosse externalizada. Colhi algumas flores de ipê rosa que estava
plantado em um pátio – do qual sempre observava a floração – e fui para casa.
Lá coloquei aos pés de uma corujinha de madeira as flores regionais que
exalavam o seu perfume, também alguns cristais que traziam uma conexão entre o
céu e a terra, acendi uma vela aromática e esse foi meu primeiro ritual à musa,
sob a ótica druídica. Ali, naquele lugar e tempo, senti que nascera uma ligação
inquebrantável.
No quesito de
antecedentes, posso elencar que tinha muitos sonhos pelas noites com corujas. O
mundo dos sonhos, quando se fala de contato com o divino, deve sempre ser
observado. Dentro das ações do meu estado de consciência onírica eu me
encontrava com corujas falantes, algumas que eram guias, algumas mais que sobrevoavam
minha cabeça e até mesmo me atacavam. Assim como me recordo de uma mulher
nesses sonhos, que muitas vezes não mostrava seu rosto, mas parecia sempre
estar associada a essa ave de rapina. Do ponto de vista do mundo material,
também sinais chegavam de alguma forma, como um presente. Eu recebia corujinhas
artesanais como lembranças. Muitas vezes, pelas noites, corujas piavam próximo
a minha janela – e eu me deleitava ao som bravio, do qual não entendia porque
alimentava medo nas pessoas. Além disso, algumas histórias que chegavam até mim
da própria família reafirmavam uma ligação com esse totem.
Intrigado com tantas
aparições e sinais, quando estava à (re)conhecer o mundo druídico há alguns
anos atrás, e estava realmente interessado em mitos celtas – dos quais me
traziam um “saudosismo” que não compreendia, todavia me fazia muito bem –, foi
então que deparei-me com o Quarto Ramo do Mabinogion. Li pela primeira vez o
conto do qual uma deusa-mulher havia sido encarnada das flores no mundo dos
homens e que no fim, Ela fora transformada em uma coruja. A sensação imediata
foi de filiação ou acolhimento espiritual. Eu havia encontrado um sentimento
parental e familiar com aquela história, com o arquétipo da divindade e com uma
sabedoria antiga, que já não era mais somente uma saudade sem explicação.
A partir de então
passei a dedicar o período de Alban Eilir – “Luz da Primavera”, celebração do
equinócio dentro do Druidismo Moderno – ao culto de Blodeuwedd. Tal data, onde
se comemora o desabrochar das flores e da vida pós-inverno, é um período
propício para invocar seu nome e presença, tendo o rito em si a função de
voltar ao tempo de seu nascimento por meio das pétalas coloridas da estação.
Sua história revela a profundidade da mística sazonal da noiva da primavera: a
disputa simbólica entre o Inverno e o Verão pelo afeto da soberania da Terra. É
sobre o efeito inebriante da beleza dessa divindade primaveril onde encontramos
a paixão de estar vivo, a inspiração necessária para continuar a jornada.
Como
deu-se a conexão em nível pessoal?
A identificação com a
portadora do rosto de flores também se deu pela semelhança com minhas relações
e experiências diárias com o mundo circundante. Por vezes, me percebo como essa
musa dividida entre amores e amantes, meio órfão e solitário no mundo que me
pede uma decisão. Um tanto desgarrado daquilo que esperam de mim, assim como
tendo um peso sobre as costas como asas. Em meio a isso tudo, Blodeuwedd me
inspira enquanto dedicante a valores como a liberdade, a independência, a solitude,
a coragem, o sensual, o amor e a beleza interior. Também me ensina a lidar com
a frustração do sofrimento de ser renegado, animalizado, enfrentando a noite
desconhecida na fobia do outro.
É possível hoje, mais
amadurecido, perceber que de certa forma minha trajetória de vida até o momento
presente tem sido questionar, contrapor, quebrar um pouco do protocolo que se
projetou a mim. Nossa sociedade, nossas famílias, nossos núcleos de relações
humanas nos incentivam a ser muitas coisas das quais não fomos consultados
previamente se era de nosso desejo ou intenção. Sei que muitas vezes não fazem
por mal, mas é importante repensar tal ato. É preciso também saber que nós
podemos nos deixar levar por essas regras impostas ou agir fora delas.
Sou de uma geração que
nasceu no fim de um milênio, em que projetou-se um ideal de carreira
profissional, de fé religiosa, de consumo, de comportamento, de sexualidade e
tantas outras expectativas. Havia um claro interesse sobre essa geração de
criar super-homens, eficientemente perpetuadores de um mundo de outrora, ou até
mesmo personagens da sua reconstrução. A questão é que assim como a deusa,
nascemos das flores de uma terra arrasada para experimentar algo totalmente
novo. Obviamente o novo não é bem aceito de primeira, sofre críticas, punições,
é transformado em um animal para causar medo.
Trair as expectativas
lançadas sobre mim foi doloroso e libertador. Desde criança fui criado em um
ambiente com figuras até certo ponto autoritárias, que esperavam que eu
perpretasse o arquétipo do “homem da família” sob a invenção da masculinidade
ocidental e outras coisas mais que você possa imaginar ditas como
“tradicionais”. A questão é que bem cedo eu já estava a me posicionar e negar
essa narrativa. A inocência da infância, um espaço do riso e do desprendimento,
sinalizava que eu seria o contrário, embora não soubesse o que enfrentaria pela
frente e como quão corajoso iria ter de ser ao ter que curar essas feridas.
O empoderamento que
Blodeuwedd me proporcionou – pois somente quando escutei esse chamado na minha
adolescência tardia pude entender tais conclusões – me levou também a outros
caminhos de desenvolvimento pessoal. Há alguns anos desenvolvo de forma própria
um sistema de práticas dedicado à Ela, trazendo em si suas faces, seus valores,
seus conhecimentos. Ao abrir minha intuição a sabedoria antiga contida no mito
poético pude perceber associações com o número nove, com as flores, com as
corujas, com o Outro Mundo, com os elementos, com energias sutis, com
sentimentos. Esses saberes “sussurrados ao pé do ouvido” me levaram ao que
chamo de Nonagrama ou Nawfed Pwer (Nona Potência), uma forma pelo qual obtive
através de estudos de florais, eneagrama, numerologia, cores, chackras e outros
conhecimentos holísticos a compreender Blodeuwedd em sua personalidade e
essência.
Em suma, a principal
(mas não única) lição que Blodeuwedd me ensinou é compreender que a sua
maldição é uma benção. Voar livre no final da história e saber quem você é gera
sacrifícios e dores, mas é ai que mora o sentido das coisas. Mesmo que as asas
sejam pesadas de carregar, são elas que nos trazem o vislumbre do céu. Corujas
são muitas vezes associadas à noite, vivendo solitariamente, caçando suas
presas enquanto os outros pássaros dormem. Buscar algo na escuridão é trabalho
para os fortes, para aqueles que tem o olhar altivo e suportam conhecer os
segredos que nem todos podem ver e agir em um ambiente inóspito. Ser dedicante
de Blodeuwedd é entender as suas próprias sombras e abrir-se para o desafio de
estar vivo, de se posicionar no mundo, de tomar a si mesmo.
Uma
pausa para meditar...
Se
quer conhecer Blodeuwedd, convido você a primeiro ler seu mito. Após interar-se
sobre sua história, faça uma meditação. Tome um banho relaxante, vista roupas
leves ou deixe seu corpo livre. Sente-se confortavelmente em um lugar de
preferência claro e arejado – um jardim, por exemplo. Mentalize a proteção do
lugar. Acenda um incenso floral ou goteje essência em um recipiente, para que o
ar fique perfumado. Sinta o cheiro do perfume floral que escolheu e acalme sua
alma.
Respire tranquilamente, feche seus olhos e liberte sua mente das preocupações e imagens distorcidas. Deixe-se levar pelas sensações sagradas que se manifestam no seu corpo: o arrepio que o vento causa em sua pele, o cheiro floral instigando o olfato, o som sutil do seu sangue em sintonia com o externo, as ondas naturais de desejo que aumentam e causam prazer. Deixe essa excitação natural leva-lo a um estado de êxtase pessoal, do qual todo seu corpo está em sintonia com sua alma.
Visualize agora que você está sentado em um campo ou bosque florido. Não tenha medo, levante-se e caminhe por este lugar tocando nas flores, sentindo seus perfumes, observando suas cores e até mesmo sabores. Você está no bosque onde Blodeuwedd mora, onde ela foi transformada em coruja. Vá até um lugar onde existe uma pedra, em que nascem flores brancas. Em cima dessa grande pedra vertical com um furo está pousada ma coruja altiva, olhando para você, dando-lhe boas vindas, do qual você retribui a saudando. Ela pia, sobrevoa a pedra e se transforma em uma mulher, sentando-se para te olhar.
Contemple-a, leve uma questão que necessita de resposta, deixe Blodeuwedd falar algo do qual precisa ouvir, sinta sua força feminina e sensual, se entregue a uma cura que necessita, faça a promessa que deve honrar. Agradeça Blodeuwedd pela beleza que compartilhou com você. Volte pelo mesmo caminho que fez pelo bosque. Quando estiver preparado e bem, respire profundamente e abra seus olhos. Lembre-se da experiência e do que deve fazer, anote se for preciso, e trabalhe a conexão consigo mesmo(a).
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