Coelbren: o Alfabeto Bárdico Galês
Seja este conjunto de signos o
autêntico perdido alfabeto dos bardos da Bretanha como propõe Iolo Morganwg (nome bárdico de Edward Williams) em
seus manuscritos do século XVIII ou então classificado muitas vezes pelos acadêmicos como
fictício e falso, devemos nos ater a uma questão: o Alfabeto Coelbren foi um
importante instrumento na valorização da cultura e língua galesa e é para o
Druidismo Moderno uma inquestionável fonte de conhecimento, sabedoria e magia.
Nesse artigo pretendo realizar uma introdução ao alfabeto bárdico através uma
breve resenha da leitura do livro The
Coelbren Alphabet: the forgotten oracle
of the welsh bards, do renomado autor, filósofo e druida John Michael
Greer.
O livro citado acima é recente e foi publicado
em 2017 pela editora Llewellyn Publications. Só a capa dele nos faz adentrar
por uma janela ou portal onde símbolos dançam a nossa frente e parecem tangíveis, já que
antes estavam esquecidos e silenciados. Está dividido em uma introdução, cinco
capítulos muito bem escritos, apêndices, bibliografia e índice, de forma que nos
concede um verdadeiro mapa com muitas informações a respeito do assunto
abordado. É uma ótima e muito completa referência histórica e prática para quem
quer aprender um pouco mais sobre oráculos de origem e matriz cultural céltica.
John Michael Greer é um importante
autor de mais de quarenta e cinco livros (inclusive algumas obras premiadas) –
um maçom, estudioso de mistérios antigos, iniciado na Ordem Hermética da Aurora
Dourada e na OBOD – Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas, foi arquidruida da AODA
- Antiga Ordem dos Druidas da América. Alguns títulos importantes desse autor
lidos por muitos druidas, pesquisadores e curiosos são: The Handbook of Druidry, The
Celtic Golden Dawn, The Druid Magic
Handbook, The Druid Grove Handbook,
Encyclopedia of Natural Magic, The Mysteries of Merlin, Green Wizardry, entre outros. Seus temas nem
sempre são druídicos, místicos ou esotéricos, sendo Greer uma importante voz intelectual
na atualidade sobre temas como sociedade pós-moderna, ecologia, UFO e muito
mais.
Uma breve introdução histórica
Formas de escrita são comumente
estudadas e utilizadas por diversos tipos de doutrinas esotéricas pelo
mundo. Círculos de ensinamento sejam
eles fechados, semi-abertos ou abertos ao público, escrevem seus mistérios através
de códigos destinados aos membros para que possam compreender-se entre si e
formem uma identidade simbólica, seja através de gestos, insígnias, sigilos,
etiqueta, ritos. A Kabala usa o alfabeto hebraico, os alquimistas se utilizaram
de um alfabeto próprio, muitas tradições nórdicas envolvem as runas na sua
mística, os sufi se utilizam da bela caligrafia árabe, os hindus do sânscrito e
muitas filosofias e espiritualidades no espectro oriental (como o Xintoísmo e o
Tao) se utilizam de ideogramas para expressar o sagrado.
Isso não é diferente no caminho
druídico. Um conjunto de símbolos largamente utilizado pelos druidas modernos, por exemplo, é
o irlandês Ogham, muitas vezes referenciado como “o Alfabeto das Árvores”.
Composto de 25 símbolos com significados ligados aos estudos linguísticos célticos
dentro do universo irlandês, representando árvores da paisagem europeia
presentes nos mitos celtas. Encontram-se muitos megálitos com inscrições em
Ogham em regiões como Irlanda e Ilhas Britânicas. O principal registro medieval
é o Livro de Ballymote, datado do século XII. Hoje muitos praticantes do
druidismo moderno se fiam no Ogham como uma forma de busca do autoconhecimento,
dos arquétipos das árvores sagradas para o mundo celta e da arte da profecia.
Porém, o Ogham não é o único alfabeto de origem na referencia cultural céltica –
o Coelbren dos Bardos é outra importante fonte de sabedoria, inspiração e conexão.
Este alfabeto nasce entre o século
XVII e XVIII, quando o galês estava prestes a ser classificada como uma língua
extinta – e havia interesse imperialista nisso, já que para os ingleses a
sobrevivência das línguas celtas representava um passado bárbaro e cheio de
contradições, aspecto que devia ser silenciado na história daquele país. Uma
explicação possível a ser refletida aqui é que os povos considerados ágrafos
foram menosprezados pela cultura ocidental e suas formas de se comunicar foram
comparadas ao balbuciar. Se sua cultura não tem escrita, então ela é inferior!
O inglês tinha um lindo conjunto de letras – eram estrangeiras, mas
decodificavam e organizavam a escrita. Mas a vocalização do galês muitas vezes não
se adaptava as letras greco-latinas, porque haviam particularidades sonoras que
não podiam ser trazidas a tona pelos alfabetos estrangeiros. Um claro problema
se estabeleceu: era preciso se materializar uma vocalização.
A leitura nos leva a compreender que Edward Williams desde muito jovem se deparou com os velhos bardos de sua região, os estudos de costumes locais através de sua família e com manuscritos e textos do qual era um ávido colecionador – ou criador de fontes próprias. Sendo um verdadeiro idealista de seu tempo descobrimos que esse jovem nascido em Glamorgan era um exímio bardo de corte, mas que nascera num tempo em que essa profissão estava morta. Não foi problema para tal que se passasse por Dafydd ap Gwilyn - um bardo galês do século XII – e escrevesse poesias tão perfeitas na métrica assinando como se fosse o próprio. Assim também o fez com muitas de suas obras, utilizando-se de nomes de bardos antigos que pudessem sustentar e reanimar uma figura histórica que parecia definhar culturalmente. Em meio a viagens, contatos com sociedades de poetas, ideais progressistas à sua época, busca por manuscritos e forjaduras de outros, Edward Williams no equinócio de outono de 1792, proclamou diante de várias pessoas e amigos em Primrose Hill a fundação de sua gorsedd de Londres – daí em diante levando a uma avalanche de outros acontecimentos do qual o tornaram uma figura promissora no renascimento druídico moderno.
Um de seus mais intrigantes manuscritos se chama Coelbren y Beirdd (Coelbren dos Bardos) publicado após alguns anos de sua morte por seu filho, Taliesin Williams e também presente na Barddas publicado por J. Williams ab Ithel. Sugeriu-se a época que o alfabeto Coelbren era autêntico e concentrava em si mesmo os antigos segredos dos bardos da Bretanha. Porém muito se questionou sobre tal academicamente, pois não havia provas concretas dos manuscritos dos bardos renomados de outrora que eram evocados para a defesa dessa afirmativa. Mas o alfabeto foi utilizado de diversas formas (em quadros, portais, marcos, etc.), e de certa maneira retomaram o orgulho de poder representar a sonoridade do galês através de símbolos que foram tidos como ancestrais, que podiam ser talhados em madeira como os antigos druidas faziam. A base para a criação do simbolismo foram possíveis através da releitura das runas, do alfabeto grego e do próprio ogham. O livro nos traz o conjunto de 24 letras, mas é possível ver nas obras de Iolo Morganwg uma grande variação. Independente da veracidade ou então, como John Michael Greer nos comenta, da necessidade de “pedigree”, o alfabeto Coelbren resgata fortemente elementos da herança druídica de pelo menos trezentos anos e não podemos negligenciá-los. Assim "é quase tão genuíno como os alfabetos de J R R Tolkien", como nos afirma John B. Hare - fundador do site Sacred Text Archive.
Oráculo dos
Bardo
O Alfabeto Coelbren, assim como o
Ogham, tem como possibilidade na contemporaneidade de ser utilizado como
instrumento de divinação - arte de adivinhar, de antever acontecimentos, de
predizer e buscar respostas de aspectos no tempo e no espaço através da
intuição. Todos nós sabemos que um jogo divinatório (tarô, runas, búzios, entre
outros) não é um mero agrupamento de símbolos e imagens irresponsáveis, mas sim
um profundo conjunto de arquétipos do inconsciente humano que nos levam ao
contato com respostas interiores.
No tarô encontramos as imagens e
representações. Nas runas nos deparamos com símbolos e significâncias míticas.
Nos búzios temos o movimento e a localização como interpretação. No ogham a
força das árvores no bosque. E no Coelbren? Qual seria o motriz desse sistema
divinatório? A resposta está no poder da fala, na magia que vem do som das
palavras, na cultura oral. No Coelbren o que importa mais é a vocalização, o
efeito sonoro, a criação da vibração no universo, enquanto que o símbolo é
apenas uma forma onde de imprime a música primordial em vinte e quatro notas
diferentes da língua galesa. As cordas vocais, assim como as cordas de uma
harpa, passam a ser o instrumento bárdico de profecia – a voz como máxima, do qual
a inspiração das musas pode se manifestar.
No texto de John Michael Greer
podemos encontrar formas para construir seu jogo de Coelbren, podendo utilizar
de impressão de cartas, gravação em varetas de madeira, em peças “estilo
dominó” ou em sementes. É relevante que seja um material durável e de
qualidade, que mostre o símbolo com clareza. Você também pode construir um
tabuleiro ou costurar/tecer um pano ou saco onde poderá realizar a leitura em
cima deste, delimitando um espaço mágico e sagrado. O livro oferece a nós um
vislumbre sobre como dispor esses símbolos para leitura, apresentando métodos
baseados no mundo céltico galês como a Leitura Simples, dos Três Raios de Luz,
o Caldeirão de Annwn, Gwydion e os Porcos, a Cruz Celta.
O autor também propõe práticas
meditativas com visualização de portais dolmênicos onde adentramos como
passagens para a internalização da força de determinada letra e vocalização das
letras como mantras, uma importante prática para sentir a vibração dessas
letras e quais efeitos causam no corpo, no ambiente e na consciência. É uma
obra muito completa com a teoria e metodologia necessária para colocar as
chaves desse alfabeto a dispor do nosso dia-a-dia.
O Alfabeto Coelbren e seus significados
Abaixo as letras que foram estudadas e trazidas pelo livro, assim como sua correspondência ou similaridade sonora e seus significados possíveis. Lembrando que toda e qualquer leitura de um oráculo depende da forma de tiragem, assim como combinação das peças e a intuição de quem faz a leitura sobre o consulente ou uma questão.
Significado: Prosseguimento,
continuidade, constância em um mesmo estado ou condição, seja de movimento,
ação ou descanso. Representa fluidez, ou seja, um caminho aberto e tranquilo
para o objetivo perguntado na consulta. Aconselha a continuar a trilhar o
caminho ou continuar a fazer o que está a ser feito no momento sobre a situação,
pois é uma direção certeira ou a melhor decisão a ser tomada. A primeira letra
representa a porta do alfabeto, a passagem está livre.
Correspondência:
E
Significado: Movimento interrompido
ou quebrado, uma condição indireta, negativa ou distorcida. Expressa uma parada
ou interrupção, a necessidade de mudar a direção, aconselha mesmo a desistir de
um projeto, ideia ou ação. Pode representar um obstáculo físico, mental ou
sutil. Quando essa letra aparece em uma leitura está a nos alertar que devemos
redirecionar nossos esforços sobre a questão perguntada para alcançar o
objetivo final.
Correspondência:
I
Correspondência:
O
Correspondência: Y
Correspondência:
U
Significado: Totalidade, unidade,
integridade, conclusão, algo ou alguém estabelecido, estável, coisas ou ações
que tem seu lugar. Comunica que a questão já tem uma base, está em um plano
maior, já está inclusa ao todo, que está completa ou a caminho de ser conclusa
com êxito. Lembra que somos parte do todo. Em relação a algo ou alguém, pode
representar uma posição forte, do qual não se pode ou tem como influenciar.
Também pode representar que a pergunta foi muito geral e não se pode responder
de forma direta.
Correspondência: B
Significado: Existência simples,
estado ou condição de estar no mundo, percepção, aquiescência. O que está
estabelecido não irá mudar, não importa o que façamos – o melhor a ser feito
é nos adaptar a situação. Comunica que devemos continuar a agir conforme a
regra e não tentar mudá-la. Caso seja algo ou alguém, representa que isso ou
essa pessoa não está aberta a mudança. Aconselha a aprender a viver e conviver
com o que está disponível no “aqui e agora”, em essência, buscando sua mudança
interna.
Correspondência: C
Significado: Alcançar alguma coisa, um braço estendido na
direção do que se quer, aprender e compreender algo, segurar, conter. Comunica-nos que estamos prestes a tomar consciência daquilo que é nosso por direito – seja positivo ou
negativo, tudo depende de como aceitamos o que iremos agarrar à frente.
Alguém ou algo está tentando nos alcançar ou devemos mover-se em direção ao
cerne de nossa questão. A sonoridade dessa letra se mantém no ar numa vibração
que lembra uma mão estendida em busca de uma direção.
Correspondência: D
Significado: Movimento de liberação e expansão. Desdobra-se,
abrir a possibilidade para o novo. Sinaliza um momento de doação, de abrir mão
de algo ou alguém, olhar para os outros lados da vida onde podem existir
melhores resultados. Pode significar também que estamos doando energia demais
em algo desnecessário, como um problema ou discussão. Tomemos cuidado! Ou ainda mostra
um processo de divisão de algo ou alguém desejado. A pergunta é: estamos recebendo de volta o que está sendo doando? Há reciprocidade?
Correspondência: Ff
Significado: Um sopro que dá impulso. Causa, ímpeto, fonte
inicial, essência, colocar algo em ação. Informa-nos que nada irá acontecer a
não ser que movimentemos. Vale a pena lembra-se das origens ou o porquê
tudo isso começou. É preciso também que olhemos para as forças ao nosso redor, aquelas que estão nos fazendo levar a situação adiante. Qual é a direção do vento que
está soprando as velas? É ai que está a causa e fonte da sua questão. Essa letra pode sinalizar um pedido da busca
por novas experiências em meio ao desânimo e inércia.
Correspondência: G
Significado: Sintonia, estar apegado a algo, um desejo, fome,
apetite. Comunica que há uma relação mútua entre nós e outras pessoas ou
questões envolvidas. Tudo está intimamente interligado como numa grande teia e
uma mudança gerará efeito em cascata, do qual não é possível prever os
resultados. Não significa que nós não devamos agir, mas que estejamos ciente das
surpresas e do inesperado. Para uma ação há sempre uma compensação, um trabalho
sempre precisa ser pago.
Significado: Criação, geração, abundância, fertilidade, nutrição, suporte. De essência feminina, essa letra nos comunica sobre momentos de desenvolvimento pessoal, ganhos de dinheiro, da chegada de uma criança. Representa bom augúrio e receptividade a eventos, ações e projetos. A hora certa para formar uma família, buscar o acalanto materno, alimentar novas experiências. O universo está nos dando aquilo que solicitamos, a terra está pronta para a colheita. Desfrutemos.
Correspondência: L
Significado: Fluidez, suavidade, leveza, um campo aberto,
solução para os problemas, um movimento sem esforço como deslizar. Indica que a
situação perguntada não requer esforço nenhum para fazê-la prosseguir. É um bom
momento para deixar que a vida corra do jeito que é seguindo seu propósito e
caminho. Pode significar também não temos controle sobre a situação. Não conseguimos segurar por muito tempo a areia fina ou a água, pois ambas
escorrem entre os vãos dos dedos. É um bom sinal para se abrir à efemeridade, ao lado passageiro da vida.
Correspondência: N
Significado: Distinguir, identificar a agulha no palheiro, ver algo simples e pequeno que está escondido, apontar para um objetivo. Ao contrário da letra anterior, sinaliza algo menor que precisa ter a sua atenção despertada agora. As decisões do nosso futuro dependem muitos mais de nós mesmos do que dos outros e é preciso olhar para isso. Pequenas ações no seu mundo podem transformar toda uma rotina, uma forma de ser. É preciso distinguir momentos, pessoas ou objetos, ser capaz de organizar o seu lugar e aquele que pertence aos outros. O conselho está em tomar cuidado com os empecilhos que colocamos no caminho, pois uma pedra não é uma montanha.

Referência
Bibliográfica:
GREER, John Michael. The Coelbren Alphabet. Primeira
edição e versão original em Inglês. Woodbury, Minnesota: Llewellyn
Publications, 2017.
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