O Druidismo Moderno - Parte II



“O druidismo é uma jornada sagrada de descoberta sobre a beleza e a santidade de toda a vida, física e espiritual. No entanto, não é suficiente que o druida saiba que toda a criação é sagrada: o caminho leva além desse ponto, a um local onde se pode tocar aquela realidade divina. A jornada do druida é sentir o toque dos deuses, de qualquer forma que os perceba, entrando em contato – com corpo e espírito – com o espírito que revigora o mundo”. 

(Emma Restall Orr, 2002) 



O Druidismo Moderno é uma religião politeísta, o que quer dizer que seus praticantes acreditam em muitas divindades, cada qual dotada de sua especificidade, característica hábil e personalidade. A reverência do druida normalmente dedica-se a deidades madrinhas e/ou padrinhas, que são pertencentes aos diversos panteões mitológicos das populações célticas. Dentre as origens podemos encontrar deuses e formas de culto da cultura britônica, gaélica, celtibérica, gaulesa, manesa, dentre outras. Também existem as divindades pan-célticas, consideradas através de estudos amplamente cultuadas pelos diversos povos celtas, citando como exemplo Lugh, Brigid, Belenus, Dana e as Matronaes. Assim muitos elementos se alteram de acordo com a região e conceitos adotados pelo praticante. 

A maneira como os druidas modernos tratam a divindade de espírito para espírito diferencia-se de outras crenças, tendo seu próprio ritualismo estruturado no trato com respeito à espiritualidade circundante. Nesse sentido os druidas modernos entendem que o mundo da matéria e do espirito não estejam tão distantes um do outro, sendo essa fronteira pouco considerada já que a manifestação do sagrado está acontecendo aqui e agora. A forma como os pássaros voam no céu, a naturalidade que o vento sopra e como as folhas das arvores envergam com sua passagem, o sentir de como a terra úmida está cheia de vida e como todos os seres estão conectados é onde está o alicerce da sacralidade druídica. 



“A ligação entre o sagrado e o mundano é muito estreita na visão druídica, chegando a ser quase impossível separar o profano do espiritual ou o divino dos aspectos comuns da sociedade. O que torna todo este processo sagrado são os pensamentos, palavras e ações, emitidas por cada ser.” 

(Rowena Arnehoy Seneween, 2011) 



Concomitante a isso, os druidas modernos tem sua fé enraizada na reverência as divindades que emergem a vida, aos espíritos ancestrais e aos seres da natureza. Alguns chegam mesmo a entender o druidismo como uma religião animista, pois se acredita que tudo a nossa volta está repleto de vida pulsante, alma, essência vital, Nwyfre. Por isso muitos praticantes, como os xamãs, dedicam-se a figuras animais totêmicas/aliadas, a força dos minerais e cristais, ao estudo de herbologia e plantas medicinais, produção de amuletos e objetos de poder imbuídos de energia natural. Os druidas modernos buscam o equilíbrio do cosmos através da conexão com as forças que brotam da terra. Algumas referências dessa prática podem ser encontradas em textos práticos reconhecidos de Xamanismo Celta, do qual podemos citar os autores John Matthews e Thomas Dale Cowan. 

Já que possuem o entendimento de que são parte de um grande todo, os praticantes do druidismo também se consideram como parte de uma grande família ou tribo. Nesse aspecto, os deuses, ancestrais e espíritos são nossos próximos e a relação entre nós e eles é muito semelhante a que nós temos com nossos parentes e amigos mais estimados. Ou seja, uma relação tribal, clânica ou familiar. Porque o que está em jogo no druidismo é a eternidade da alma e das experiências entre os mundos e reinos, o que quer dizer que nossas relações aqui e agora são importantes para o equilíbrio e agradáveis estadias nas diferentes jornadas. Por isso a cortesia e hospitalidade são dos valores mais caros, clarificados nos mitos celtas, já que se preocupavam com as outras vidas que estavam por vir. Não no sentido de arrebatamento ou salvação, mas no aspecto de como seriam recebidos no outro mundo: como pessoas honradas ou infames? 

Outra importante crença então é a transmutação da alma e a sua infinitude e indestrutibilidade. Para os druidas modernos, assim como para os clássicos, a morte não é mais do que a passagem de um estágio para outro. A alma se transfere para outro mundo ou realidade, ou mesmo para ilhas ou planícies sagradas, continuando sua viagem de desenvolvimento e autoconhecimento na aprendizagem com as divindades, os ancestrais e todos os seres espirituais. Além disso, os druidas acreditam que a alma tem liberdade suficiente para escolher e decidir seus caminhos na própria aprendizagem nos mundos, sendo que buscam a espiritualidade para se aconselhar como faz um aluno com seu mestre, e não para se prostrar a seus mandos e interferências. 

Os druidas modernos também não possuem livros sagrados ou dogmas fechados. A maior parte dos saberes e fazeres druidas que sobreviveram foram passados de geração em geração (cultural oral) ou por meio da transcrição por monges cristãos medievais e escritores clássicos. Sendo assim, a base da crença druídica moderna está em costumes tradicionais ainda vivos, nas línguas célticas, nos textos clássicos e medievais, nos compêndios e estudos mitológicos, nas pesquisas históricas e arqueológicas e nas experiências de grupos e indivíduos. 

Rituais sazonais alinhados as estações do ano, a paisagem e aos ciclos da natureza são comumente realizados pelos druidas modernos. Nos solstícios e equinócios, assim como datas entrepostas são feitos festividades e comemorações que tem sua origem nos costumes, jogos e tradições das populações célticas. Prevalece hoje o sistema óctuplo ritual, onde são realizadas anualmente oito festas sacras, dos quais os nomes também dependem das referências culturais e históricas que os grupos e as pessoas tomam. Esses ritos e cerimônias normalmente são disposto em uma roda simbólica, conhecida como Roda do Ano. Outros rituais que também os druidas realizam estão sinalizados no transcorrer da vida como o nascimento, a puberdade, as iniciações, o casamento e a morte. 

“Os festivais solares, juntamente com os festivais celtas, estabeleciam uma poderosa rede de pontos de referência que ajudavam a orientar os xamãs que trabalhavam com o simbolismo da roda.” 

(John Matthews, 2002) 

Os grupos druídicos normalmente denominam-se por várias nomenclaturas, como Ordem, Caer, Grove, Bosque, Gorsedd, Nemeton, Escola, Irmandade, Ramo, Assembleia e Castro. Isso depende de região para região, como também a referência que tomaram para nortear suas formas de ver e ser no mundo. Cada grupo possui os seus métodos, regras e valores que cultivam para o treinamento e iniciação dos integrantes e membros. Muitos grupos adotam a forma de cargo tripartite (Bardo, Ovate e Druida), outros concebem ainda profissões (como Guerreiro, Agricultor, Curandeiro,…), sendo a maneira como se dá a graduação e titulação particular de cada um. Acrescentamos também que ainda exista a categoria dos druidas solitários, praticantes autodidatas que buscam o seu desenvolvimento e aprendizado por sua conta. Com o advento da internet e da comunicação rápida, hoje são comuns cursos on-line e muitos sites que oferecem leituras e práticas. 

E então chegamos ao porquê de ainda prestar nosso tempo, dedicação e vida ao druidismo ainda hoje. Nosso mundo vive crises próprias de seu tempo, principalmente no meio ambiente e social. Há uma tríade muito popular entre os druidas modernos que diz o seguinte: 



“Três deveres de um Druida: Curar a si mesmo; Curar a comunidade; Curar a Terra. 
Pois se assim não fizeres, não podereis ser chamado de Druida.” 



Essas três afirmações nos lembram de que a função do druida não está morta. Mesmo que muitas tradições e conhecimentos tenham sido perdidos, os druidas tem um compromisso com a Terra. E por isso mesmo decidiram viver essa vida, nesse plano e no tempo onde estão. É grande o número de pessoas no druidismo que se dedicam a causas sociais e ecológicas. Muitos trabalham na preservação de reservas, no ativismo ambiental, na reutilização dos resíduos sólidos e na luta contra a extinção de espécies de animais e plantas. Outros se dedicam a causas sociais, envolvendo-se com a militância de povos tradicionais, populações periféricas e alvo de violência, no combate as guerras, ou seja, questões de crucial colaboração com a sociedade. Entendem que assim podem curar os níveis de manifestação da comunidade e da Terra. 

Fora isso, as pessoas tem no druidismo um sistema complexo de crescimento pessoal, olhando essa crença religiosa e filosófica como uma possibilidade de melhorar suas relações com o mundo exterior e interior, com a cura de si mesmas. Os dedicantes do caminho druídico trabalham através de atividades e meditações com diversas facetas, como sua saúde mental, psicossocial, física e espiritual. Logo existem interesses pessoais em manter a prática, no âmbito de construir uma vida melhor e equilibrar-se com a centelha divina do universo que está dentro de nós. 

E o que é ser um druida hoje? Qual é o significado em ser druida e o que eu devo fazer para me tornar um? Afinal, de acordo com Philip Carr-Gomm, o Druidismo Moderno tem se tornado uma das religiões “alternativas” mais procuradas pelas pessoas no mundo atual. São três os motivos que eu apontaria na colaboração de tal questão. Os resultados do processo histórico da celtomania, movimento do século XIX e XX, onde muitos autores europeus de cunho nacionalista investiram na literatura e cultura celta, que deu foro para o fortalecimento do revivalismo. Os filmes épicos, romances, gibis e seriados têm também imageticamente transmitido a ideia de como o conhecimento da magia pode empoderar os indivíduos, com personagens sábias fortes, como o mago Gandalf, o bruxo Alvo Dumbledore e o druida Panoramix. E, por outro lado, as pessoas não só se atraem pelo mistério que a figura dos druidas lhes causam, mas também pela vontade em utilizar a sabedoria que emana desse arquétipo para mudar o mundo. 

A grande parte das pessoas, principalmente as mais jovens, identifica o Druidismo Moderno como uma religião ou espiritualidade, mas ainda existem aqueles que o pensam como uma escola de mistérios, uma filosofia de vida ou uma prática cultural folclórica. No País de Gales, segundo Philip Carr-Gomm, a maior parte da população religiosa se considera pertencente à Igreja Metodista e vê o Druidismo como uma parte dos seus costumes culturais bárdicos de origem. Porém, na Inglaterra o Druidismo é oficialmente uma religião e em muitos países os grupos aspiram ao mesmo reconhecimento. 

Os druidas modernos são pessoas comuns, de diversas origens étnicas, constituição social, religiosa, local, composição etária, de gênero, orientação sexual, dentre outros aspectos. Encontram a sua função druídica no mundo em suas profissões, no dia-a-dia, no contato com seus amigos, no lidar com tudo que está a sua volta. O professor que leciona seu conteúdo. A instrumentista compondo sua música. Um jovem traçando seu futuro vindouro. Uma anciã cuidando de um jardim. O médico atendendo a um paciente. A artesã criando uma peça de primor. É ai que o druida está sendo despertado! 



“O Druidismo tem uma visão inteiramente diferente, que celebra e revela a vida tal como ela é agora – não como poderá vir a ser no além ou como poderia ser se conseguíssemos quebrar o ciclo da morte e do renascimento. (…) oferece uma abordagem que se baseia no sentir-se totalmente envolvido no Mundo – na celebração das suas belezas e alegrias e em enfrentar as suas dificuldades em vez de ‘nos elevarmos’ para um plano superior a elas. Sugere assim que fomos feitos para estar aqui e não noutro sítio qualquer.” 

(Philip Carr-Gomm, 2008) 



Embora possa soar redundante, ser agora um druida é construir o caminho do druida moderno. Requer estudo, dedicação e persistência, já que muitas das respostas que gostaríamos de ter somos nós mesmos que vamos conjecturar. Ainda podemos nos considerar muito felizes, já que temos acesso na contemporaneidade à muitas informações e não vivemos em um tempo onde o conhecimento é fechado, além de já possuirmos um bom acervo de textos de autores e autoras druidas e não-druidas que podem nos ajudar. A nossa grande missão diante a canção da vida druídica é colaborar para que o movimento cresça, e principalmente para que toda a comunidade possa crescer junto. 

Os druidas clássicos estavam dotados de um código de conduta pautado na verdade, na honra e na coragem. Concluindo essa pequena leitura, do qual espero que tenha sido agradável e interessante para você, qualquer pessoa tem o potencial de ser um Druida, desde que compreenda e pratique os valores contidos nessas palavras. Alguns preferem desenvolver isso em grupo, outros solitariamente. Encontre a melhor forma que você puder. 

por Llewellyn Mawr 


Referências Bibliográficas:

CARR-GOMM, Philip. Os Mistérios dos Druidas: sabedoria antiga para o século XXI. Tradução de Paulo Rodrigues. Sintra, Portugal: Zéfiro, 2008.
__________________. Elementos da Tradição Druida. Tradução de Maria Alda Xavier Leoncio. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994.
GREER, John Michael. The Druidry Handbook: spiritual practice rooted in the living earth. York Beach, ME, Canada: Red Wheel/Weiser, 2006.
MARKALE, Jean. Le Druidisme: traditions et dieux des celts. Paris, França: Payot, 1987.
MATTHEWS, Jonh. Xamanismo Celta. Tradução de Claudio Crow Quintino. São Paulo: Hi-Brasil Editora, 2002.
NICHOLS, Philip Ross. The Book of Druidry. Editado por John Matthews e Philip Carr-Gomm. San Francisco, USA: HarperCollings Publishers, 1990.
ORR, Emma Restall. Princípios do Druidismo. Tradução de Ana Luiza Barbieri. São Paulo: Hi-Brasil Editora, 2002.
SENEWEEN, Rowena Arnehoy. Brumas do Tempo: poesias, pensamentos e ritos druídicos. São Paulo: AGBooks, 2011.



Obs.: Esse texto foi também publicado na Revista Ophiusa no ano de 2017, pertencente a Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas de Portugal.

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